Para os moradores dos primeiros núcleos coloniais na costa brasileira, como Santos e Cabo Frio, a pirataria era ameaça constante. Mas a vida de pirata, por outro lado, também não era nada fácil, a julgar pelos relatos de protagonistas como o inglês Anthony Knivet. Disponível agora na Biblioteca Digital Curt Nimuendaju, a obra 'Notavel viagem que, no anno de 1591 e seguintes, fez Antonio Knivet, da Inglaterra ao mar do sul, em companhia de Thomas Candish' pinta uma imagem um tanto anti-hollywoodiana de pirata: faminto, maltrapilho, infestado de piolhos, vivendo da pilhagem da mandioca alheia.
Eventualmente capturado e escravizado pelos portugueses, vivendo, segundo sua descrição, a pauladas e sob constante ameaça de morte, Knivet acompanharia seus amos em viagens de exploração pelo interior do sudeste brasileiro (e, depois, o nordeste), travando contatos com índios de diversas etnias, como os Tamoyo (entre os quais presenciaria rituais canibalísticos) e os Purí. Assim, além de retratar a colonização portuguesa sob uma pespectiva diferente da habitual, seu relato contém informações úteis sobre costumes indígenas e sobre a localização geográfica de diversas tribos, apesar de algumas passagens pouco plausíveis -- como o encontro com um monstro aquático que "tinha no dorso grandes escamas medonhas e não menores garras e uma comprida cauda, (...) [e] uma comprida lingua qual harpão".
O texto foi traduzido por J. H. Duarte Pereira a partir da versão holandesa, e publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico em 1878.
Leia mais:
Hue, Sheila Moura. 2006. Ingleses no Brasil: relatos de viagem (1526-1608). Anais da Biblioteca Nacional, vol. 126, p. 7-68.
O livro é excelente. Podemos ter uma idéia do que ocorria no Brasil Colônia na época. Piratas queimando casas, saqueando e queimando engenhos e quando presos, tratados como escravos. A sobrevivência pela selva, em conjunto com índios que haviam escapado, também é marcante. É surpreendente como há alguns historiadores sérios que sustentam que não houve escravidão indígena. Martim de Sá que o diga. Vale a pena ler. Este livro encontra-se nas livrarias, já que é publicado por algumas editoras no Brasil. Apesar de ter sido traduzido de uma tradução do holandês (e não do original em inglês), o original em inglês encontra-se à venda na Internet também.
ReplyDeleteEm relação ao monstro aquático, poderia ter sido um jacaré.
Fabio (Historiador)
É mesmo uma história fascinante, Fábio. Sobre o "monstro", eu cheguei mesmo a pensar na possibilidade de que fosse um jacaré (a imagem que me veio à mente foi algo como a "Cuca" do Sítio do Pica-pau Amarelo). Mas a descrição da língua do bicho me pareceu um tanto exagerada. Além disso, eu imaginaria que um europeu educado de então já tivesse algum conhecimento dos crocodilianos do Velho Mundo, cuja aparência não é tão diferente assim da dos nossos.
ReplyDeleteVocê chegou a ler a versão original em inglês? Fico imaginando se algo não se teria perdido na tradução (especialmente em se tratando de tradução de uma tradução). Caso você tenha acesso à nova versão, traduzida diretamente do inglês, e à versão original, e caso tenha notado divergências significativas, que tal escrever-nos uma resenha?
Veja que acrescentei, no "post", uma nota "Para saber mais". É um artigo excelente para situar o trabalho de Knivet historicamente.