A disponibilidade online de décadas
de documentação da Câmara Municipal de São Paulo (a partir de 1948) permite que
acrescentemos mais uma interessante nota de rodapé à saga póstuma de Curt
Nimuendajú. Em 1960, um projeto de lei de autoria do vereador José Freitas
Nobre foi apresentado ao legislativo paulistano propondo que se desse
"a denominação de Kurt Nimuendaju à praça sem nome localizada na Cidade
Universitária, em frente ao edifício onde funciona a Secção de Ciências
Sociais."
A idéia havia partido da Sociedade
Brasileira de Sociologia, que enviara ao vereador uma proposta demonstrando o
merecimento de Nimuendajú, em cuja "personalidade associavam-se o
cientista de notável valor e o cidadão exemplar, o que lhe permitiu fôsse, a um
só tempo, um etnólogo cujos trabalhos científicos alcançaram renome universal e
um defensor incansável dos nossos silvícolas." A proposta previa,
inclusive, a construção, no mesmo local, de uma cripta em que seriam
"recolhidos os despojos mortais do grande antropólogo."1
O vereador, naturalmente, não
parecia ter muita familiaridade com o homenageado. O texto original do projeto
estipulava que "as placas de nomenclatura, manufaturadas em bronze,"
conteriam "os seguintes dizeres: 'Professor, amigo dos
universitários'" — condizentes com a localização da praça, mas não com a
biografia de Nimuendajú. Alguns dias depois, o presidente da Sociedade
Brasileira de Sociologia, Fernando de Azevedo, solicitava, em carta ao
vereador, que os dizeres fossem alterados para "Etnólogo e defensor dos
índios do Brasil" — sugestão prontamente acatada.
O Projeto
de Lei n.º 26/60, no entanto, acabaria sendo rejeitado, sob a
justificativa de que seu objetivo de homenagear o ilustre cientista já havia
sido alcançado anteriormente pela Lei
n.º 5.633, de 21 de julho de 1959, que dera o nome de Curt
Nimuendajú a uma rua em Perdizes.2 Assim, apesar desta iniciativa da
Sociedade Brasileira de Sociologia, o sepultamento definitivo de Nimuendajú
aguardaria ainda mais de duas décadas, ocorrendo finalmente em 1981, no
Cemitério do Redentor, São Paulo — modestamente, como lembra Thekla Hartmann: "Sem cerimônias, sem
discursos nem solenidade. Simplesmente."
Para
saber mais:
Hartmann, Thekla. 1981. O enterro de Curt Nimuendajú (1883-1945). Revista
do Museu Paulista, vol. 28, p. 187-190, 1981/82.
Laraia, Roque de Barros. 1988. A morte e as mortes de Curt Nimuendajú. Série
Antropologia, n. 64. Brasília: Departamento de Antropologia/Instituto de
Ciências Humanas/UnB
Notas:
1. Curt Nimuendajú foi sepultado originalmente na
Vila de Santa Rita do Weil, município de São Paulo de Olivença, Amazonas.
Exumados em 1956, seus restos mortais foram levados para São Paulo, onde, em
cerimônia de que participaram, entre outros, Herbert Baldus e Fernando de
Azevedo, foram transladados em 1958 para uma igaçaba, "cuja guarda [seria]
confiada ao Museu Paulista até que se [construísse], junto a herma em homenagem
ao grande etnólogo, a cripta onde [deveria] ser recolhida." (Ata,
in Hartmann 1981:188). A idéia da praça visava, ao que parece, à consolidação
de tais planos.
2. Além da rua em São Paulo, Nimuendajú dá nome a uma
rua em Piracicaba e uma praça em São Luís.
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