O naturalista escocês George Gardner (1810-1849) esteve no Brasil entre 1836 e 1841, dedicando-se especialmente à exploração de áreas de cerrado e caatinga no interior do país. Embora de interesse eminentemente botânico, o relato de suas viagens — Travels in the interior of Brazil, publicado originalmente em 1846 — contém preciosas informações sobre os costumes das populações com as quais esteve em contato. Com o olhar crítico típico do cientista britânico do século XIX, Gardner oferece testemunho um tanto objetivo da vida conturbada (com rebeliões e movimentos messiânicos) e miserável dos habitantes do interior.
Em suas viagens, Gardner esteve em contato direto com duas tribos indígenas: os Xokó da Ilha de São Pedro (Rio São Francisco, divisa entre Sergipe e Alagoas) e os Akroá da Missão do Duro (norte da então província de Goyaz, sul do atual estado do Tocantins). Apesar de breves, as informações sobre estes últimos — que ele chama "Coroá" — são especialmente interessantes, por demonstrarem que os habitantes da missão ainda preservavam aspectos da cultura de seus ancestrais, aldeados um século antes — incluindo sua língua (p. 319): "All the inhabitants speak Portuguese, but many of them still keep up the language of their forefather."
Gardner registra, inclusive, duas palavras da língua Akroá: Shòdò, o nome do fruto de uma palmeira (p. 317), e Ropechedy 'belo lugar' (p. 319), o nome — bem merecido, segundo ele — dado pelos índios à Missão do Duro (no original, 'beautiful situation', em que 'situation' ocorre em sua acepção arcaica de 'lugar'). A etimologia de Ropechedy é clara, quando se consideram dados de outras línguas Jê Centrais (vide, por exemplo, Xavante ropese 'limpar (terreno)' + di; Hall, McLeod & Mitchell 1987). Tais informações, somadas ao vocabulário "Acroá-Mirim" de Martius, confirmam a tradicional afiliação dos Akroá ao ramo central da família Jê, a despeito de propostas recentes (Apolinário 2005) de que eles teriam sido parte dos Timbira (Jê Setentrional).
O relato das viagens de Gardner pelo Brasil, tanto em sua primeira edição inglesa, quanto na tradução brasileira de 1942, pode ser acessado através da página do autor.
Isso que é saboroso no livro. Existe uma avidez pelas informações botânicas do Novo mundo, mas, ao mesmo tempo, ele tem a sensibilidade de observar os costumes locais, mas sem aquele quê de fantasia.
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