Friday, June 22, 2012

George Gardner entre os índios do sertão


O naturalista escocês George Gardner (1810-1849) esteve no Brasil entre 1836 e 1841, dedicando-se especialmente à exploração de áreas de cerrado e caatinga no interior do país.  Embora de interesse eminentemente botânico, o relato de suas viagens  Travels in the interior of Brazil, publicado originalmente em 1846  contém preciosas informações sobre os costumes das populações com as quais esteve em contato. Com o olhar crítico típico do cientista britânico do século XIX, Gardner oferece testemunho um tanto objetivo da vida conturbada (com rebeliões e movimentos messiânicos) e miserável dos habitantes do interior. 

Em suas viagens, Gardner esteve em contato direto com duas tribos indígenas: os Xokó da Ilha de São Pedro (Rio São Francisco, divisa entre Sergipe e Alagoas) e os Akroá da Missão do Duro (norte da então província de Goyaz, sul do atual estado do Tocantins). Apesar de breves, as informações sobre estes últimos  que ele chama "Coroá"  são especialmente interessantes, por demonstrarem que os habitantes da missão ainda preservavam aspectos da cultura de seus ancestrais, aldeados um século antes  incluindo sua língua (p. 319): "All the inhabitants speak Portuguese, but many of them still keep up the language of their forefather."

Gardner registra, inclusive, duas palavras da língua Akroá: Shòdò, o nome do fruto de uma palmeira (p. 317), e  Ropechedy 'belo lugar' (p. 319), o nome  bem merecido, segundo ele  dado pelos índios à Missão do Duro (no original, 'beautiful situation', em que 'situation' ocorre em sua acepção arcaica de 'lugar'). A etimologia de Ropechedy é clara, quando se consideram dados de outras línguas Jê Centrais (vide, por exemplo, Xavante ropese 'limpar (terreno)' + di; Hall, McLeod & Mitchell 1987). Tais informações, somadas ao vocabulário "Acroá-Mirim" de Martius, confirmam a tradicional afiliação dos Akroá ao ramo central da família Jê, a despeito de propostas recentes (Apolinário 2005) de que eles teriam sido parte dos Timbira (Jê Setentrional).

O relato das viagens de Gardner pelo Brasil, tanto em sua primeira edição inglesa, quanto na tradução brasileira de 1942, pode ser acessado através da página do autor.

1 comment:

  1. Isso que é saboroso no livro. Existe uma avidez pelas informações botânicas do Novo mundo, mas, ao mesmo tempo, ele tem a sensibilidade de observar os costumes locais, mas sem aquele quê de fantasia.

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