Friday, November 22, 2024

"A Maloca Tukano-Dessana e seu Simbolismo", de Casimiro Béksta (1988)

por Renato Athias

maloca.jpg

Em A Maloca Tukano-Dessana e seu Simbolismo, Casimiro Béksta se aprofunda no significado etnográfico e simbólico da maloca — casas comunais tradicionais centrais para as vidas culturais, sociais e espirituais de muitos grupos indígenas na Amazônia.
O trabalho serve como uma exploração histórica e analítica, revisitando fontes etnográficas antigas e traduzindo observações fundamentais em uma estrutura acadêmica moderna. Béksta se baseia significativamente nos escritos de Alfred Russel Wallace e, mais proeminentemente, Theodor Koch-Grünberg, um etnólogo alemão cujo extenso trabalho de campo na Amazônia durante o início do século XX fornece rica documentação de tradições indígenas, cultura material e cosmologia.

Ao traduzir esses relatos seminais para o português e situá-los dentro dos debates contemporâneos sobre o significado da maloca, Béksta faz uma contribuição vital para a acessibilidade desses recursos para estudiosos lusófonos. As descrições detalhadas da maloca de Koch-Grünberg destacam seu papel duplo como uma estrutura física e um símbolo cosmológico. Como Béksta observa, Koch-Grünberg documentou como a maloca funciona como um microcosmo do universo, com seu layout arquitetônico frequentemente refletindo crenças cosmológicas.

Os polos centrais representam o eixo do mundo, enquanto o telhado simboliza o céu. Essas estruturas não são meramente abrigos, mas são imbuídas de camadas de significado, servindo como espaços onde rituais, narrativas e decisões comunitárias se desenrolam, reforçando assim a coesão social e a continuidade cultural. Béksta enriquece sua análise com elementos visuais, incluindo esboços de designs de maloca, para fornecer aos leitores uma visão geral de sua diversidade arquitetônica.

Em última análise, [o livro] serve como um tributo à etnografia pioneira de Koch-Grünberg e um convite para investigar mais a fundo a maloca como um espaço dinâmico de identidade cultural e resistência.

Essas ilustrações, inspiradas pelas meticulosas notas de campo de Koch-Grünberg, oferecem uma sensação tangível da escala das estruturas, métodos de construção e detalhes estéticos. Ao revisitar e contextualizar os insights de Koch-Grünberg, Béksta demonstra como as observações etnográficas do início do século XX permanecem relevantes para a compreensão do significado duradouro da maloca. Seu trabalho ressalta a importância de traduzir e atualizar fontes históricas, garantindo que elas informem as discussões contemporâneas sobre sistemas de conhecimento indígenas e preservação cultural.

Em última análise, A Maloca Tukano-Dessana e seu Simbolismo serve como um tributo à etnografia pioneira de Koch-Grünberg e um convite para investigar mais a fundo a maloca como um espaço dinâmico de identidade cultural e resistência. Por meio dessa síntese de passado e presente, Béksta fornece um recurso atraente para acadêmicos e estudantes de culturas amazônicas, antropologia e estudos indígenas.

Tuesday, April 20, 2021

Um erro tipográfico que persiste, após quase 200 anos: o falso etnônimo packi em Puri

 por Marcelo Sant’Ana Lemos

A Revista do IHGB, volume 5, impressa em 1843, trouxe em um de seus artigos uma cópia do texto extraído do livro tombo da Freguesia de São João Batista de Queluz, escrita pelo vigário Francisco das Chagas Lima, primeiro pároco daquela localidade, quando ela era ainda uma capela rústica do aldeamento dos indígenas Puri de Queluz, criado em 1800.

No texto que tinha o título “Notícia da fundação e princípios d’esta Aldêa de S. João de Queluz” ele procurava caracterizar o modo de vida dos Puri. Nele temos a explicação do significado do etnônimo Puri ou Pucki, que de acordo com os próprios indígenas queria dizer: gente mansa ou tímida.

No momento que o documento original foi transcrito, para ser feita a versão impressa ocorreu um erro, não sabemos se do tipógrafo ou do sócio do IHGB que copiou o texto que lhe foi passado. Assim o termo Pucki se transformou em Packi, conforme se observa na página 73 da referida revista.

Dessa forma desde 1843, diversos historiadores e memorialistas têm repetido esse erro baseado nessa fonte impressa. Autores como Paulo Pereira dos Reis, que tiveram a oportunidade de consultar o livro tombo original, que se encontra na paróquia de Queluz, não caíram nessa armadilha!

No arquivo e Biblioteca do Instituto de Estudos Valeparaibanos, na cidade de Lorena (SP), que tivemos a oportunidade de visitar em 2010, encontramos diversos documentos, cópias fotostáticas dos originais, versando sobre a história da Aldeia de Queluz. Entre eles estavam as imagens do manuscrito original “Notícias da fundação e princípio d’esta Aldêa de S. João de Queluz” registrado no livro tombo da Freguesia de Queluz.

Reproduzimos abaixo a imagem do original para possibilitar a comparação com o texto da Revista do IHGB, que apresenta o erro tipográfico. Assinalamos com uma linha azul a palavra original correta. Claramente se destaca a letra ‘u’, bem diferente da letra ‘a’ que vemos no vocábulo “palavra” logo a seguir.

puckis.png

No texto do IHGB, que reproduzimos adiante, a mesma passagem com o erro assinalado em vermelho:

packis.png

Por conta da dificuldade de acesso à fonte original ou a obras que reproduzem o conteúdo correto, mas se tornaram raras como, por exemplo o texto: “Os Puri de Guapacaré e algumas achegas à história de Queluz”, de Paulo Pereira dos Reis, publicado em 1965; na Separata do número 61 da Revista de História, é que encontramos ainda hoje o mesmo erro reproduzido em textos acadêmicos e de divulgação.

Um dos mais recentes foi o de Eduardo Rivail Ribeiro, que em seu texto “O Catecismo Puri do Padre Francisco das Chagas Lima” para os Cadernos de Etnolingüística, volume 1, número 1, de janeiro de 2009, dá ao equívoco tipográfico o status de praticamente a única contribuição linguística de Chagas Lima para língua Puri; que ele encontrou no documento, além do antropônimo Vuti, conforme se observa na nota 4 do seu texto.

No livro Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro, um excelente texto de divulgação sobre os indígenas do Rio de Janeiro, de José Ribamar Bessa Freire e Márcia Fernanda Malheiros, já em segunda edição, pela Eduerj, do mesmo ano do texto de Ribeiro (2009), também encontramos o termo, porém com a grafia aportuguesada para “paqui” (página 15).

Está mais do que na hora de corrigir esse equívoco!

Sunday, April 18, 2021

Dia 18 de abril de 2020: Uma carta


Aldevan, Ana Carla, Kaina & Waina


Oi, eu não  sei se você  está  pescando lá  pelas bandas da Ilha Oscarina (Rio Negro), se você anda caçando ou andando de bicicleta.  Por onde está...

Nas "internets" e "redes sociais" deste outro plano de encantamento, não sei se você está acompanhando o que está  acontecendo pelas bandas de cá!!

As meninas e eu sempre falamos de você: quando assistimos a um filme; quando comemos peixe assado (e claro, nenhum é  igual  ao  seu); quando vemos alguma postagem sarcástica nas redes sociais; e sempre quando a campanhia toca por mais tempo do que deveria (pois você tinha mania de ficar segurando quando vinha nos visitar).

Apesar do cansaço  mental, da sensação  de impotência  e das dores das perdas (e olha, foram muitas), estamos bem!!! MAS  o Brasil, o Brasil:

  • Você  ainda estava entre nós quando o Mandeta saiu do ministério. Mesmo neste cenário de pandemia, já estamos com o quarto Ministro da Saúde;
  • O perfil  dos doentes de covid mudou, os pacientes agora são mais jovens;
  • Mesmo depois de 1 ano, continuanos usando máscara, mas ainda  existem pessoas que não acreditam na importância de seu uso;
  • Ainda não podemos aglomerar, abraçar ou encontrar as pessoas que gostamos;
  • Perdão, as meninas e eu ainda não conseguimos abraçar Sr. Emílio, Dona Joana Brazao, nossos sobrinhos(as), Tania Elias, Maria do Socorro Elias, Magson Jesus. 

Encontrei André Brazão e Lindomar Brazão na comunidade indígena Parque das Tribos,  por meio de um projeto de pesquisa de que estou participando. 

Vi Solange Brazão e nos abraçamos com os olhos quando Joanita precisou ser internada quando Manaus sufocava por falta de oxigênio. 

Sim, no dia 14 de janeiro, aqui em Manaus, vivenciamos um cenário de horror... pacientes de Covid morreram por falta de oxigênio nos hospitais. E agora, tristemente o Brasil todo está passando por situações similares...

Hoje, Manaus vive uma "amnésia coletiva", parece que a pandemia acabou... e as pessoas insistem nas baladinhas. Por outro lado, os profissionais da saúde continuam tentando salvar vidas neste cenário caótico... mas saiba, eles estão exaustos e precisando de afeto e respeito. 

Como eu poderia esquecer??? A Ciência e os cientistas venceram o tempo!!! Ao mesmo tempo, ambos sofrem com o negacionismo e as fake news. Mas temos VACINAS!! Mesmo com um número pequeno, devido a um "probleminha de gestão e diplomacia". Apesar disso, o sistema SUS (para o qual você trabalhava) está dando seu melhor.

Kaina, Wina e eu, logo que você se encantou, fizemos 1000 tsurus de origami pela cura do mundo.

Infelizmente, estamos vivenciando uma segunda onda:

  • Atualmente, em média, temos 3 mil mortes por dia;
  • Já atingimos mais de 370 mil mortos pela doença. Triste não é? 
  • Agora no domingo de Páscoa, Solange, Sr.Emílio e Magson fizeram uma surpresa: fizeram peixe e beiju para nós. Matamos a saudade de seu peixe. (Penso que cozinhar para o outro é uma demonstração de afeto)
  • Sim, como poderia esquecer? O livro Brilhos na Floresta já foi traduzido para Baniwa, uma das línguas Yanomami, Kaingang e Guarani, além de sua versão em Nheengatu e da tradução para Tukano, que você chegou a ver... 
  • Você conhece bem a nossa amiga Noemia Kazue Ishikawa, ainda estamos fazendo estripulias, pensando na década das Línguas Indígenas do Mundo, que será comemorada entre 2022 e 2032. Mas saiba, o grupo de pesquisa "Cogumelos da Amazônia" sente sua falta.

Não importa onde você esteja, suas filhas e eu esperamos que você esteja bem neste plano dos encantados.

Ana*, Kaina e Wina.

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*Ana Carla Bruno é antropóloga (INPA) e coordena, com Noemia Kazue Ishikawa (também do INPA), o Projeto Aldevan Baniwa.