Sunday, June 1, 2025

Colecciones etnográficas, cosmopolíticas de la memoria y pueblos originarios



"Colecciones etnográficas, cosmopolíticas de la memoria y pueblos originarios del río Negro en los museos", de Renato Athias (2023), publicado no livro Territorios, migraciones y fronteras en Iberoamerica uma publicação internacional das Ediciones Universidad de Salamanca

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O capítulo "Colecciones etnográficas, cosmopolíticas de la memoria y pueblos originarios del río Negro en los museos", de Renato Athias (2023), publicado no livro Territorios, migraciones y fronteras en Iberoamerica uma publicação das Ediciones Universidad de Salamanca, representa uma contribuição, em língua estrangeira, inovadora para o campo da antropologia, museologia e estudos sobre patrimônio cultural. O texto examina as coleções etnográficas dos povos indígenas do Alto Rio Negro, abordando suas dimensões cosmológicas e sociopolíticas, com ênfase namrelação entre objetos rituais e as formas de organização social e cosmologia desses povos.

Vinculado ao atual projeto de pesquisa do autor: Povos Indígenas, Restituição, Antropologia Visual e a Gestão Compartilhada de Coleções Etnográficas. A originalidade do capítulo reside na articulação entre pesquisa etnográfica, análise de coleções museológicas e o ativismo indígena, revelando a relevância de tais objetos não apenas como testemunhos materiais, mas como agentes de memória e identidade cultural. A pesquisa conduzida pelo autor se destaca por mapear coleções etnográficas em museus europeus e norte-americanos, proporcionando um panorama detalhado sobre a dispersão desses acervos e suas implicações para os povos originários. Esse mapeamento, resultado de um pós-doutorado financiado pela CAPES e apoiado também por sua bolsa de produtividade, é um avanço significativo na restituição virtual (conceito elaborado pelo autor em 2016), material desses objetos etnográficos às comunidades indígenas.

Outro aspecto inovador do trabalho é sua conexão com o projeto do Museu Virtual dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro, uma iniciativa desenvolvida em São Gabriel da Cachoeira, em colaboração com lideranças e curadores indígenas. Esse projeto visa ressignificar narrativas museológicas, descolonizando a história dos objetos ao substituir discursos colecionistas por relatos indígenas sobre suas próprias tradições e experiências históricas. Além disso, o capítulo se insere em uma linha de pesquisa mais ampla que envolve acadêmicos e estudantes em temas como restituição de bens culturais, antropologia visual e gestão compartilhada de coleções etnográficas.

O impacto do trabalho do autor se evidencia em múltiplos âmbitos. Na esfera acadêmica, sua produção tem sido referência para estudos sobre coleções indígenas, contribuindo para debates em congressos internacionais e na formação de estudantes no bacharelado em Museologia da UFPE. No cenário global, sua atuação como vice-presidente da Comissão de Museus e Patrimônio Cultural da IUAES resultou no lançamento de uma Task-Force no congresso da World Anthropological Union (WAU), Johanesburgo 2024, com o objetivo de desenvolver mecanismos administrativos e legais que apoiem as reivindicações indígenas em relação as restituições e repatriação de objetos etnográficos.

Assim, este capítulo não apenas amplia o conhecimento sobre as coleções etnográficas do Alto Rio Negro, mas também promove um modelo inovador de pesquisa colaborativa e ativismo acadêmico, fortalecendo o protagonismo indígena na construção de novas narrativas museológicas e patrimoniais.

 

Friday, November 22, 2024

"A Maloca Tukano-Dessana e seu Simbolismo", de Casimiro Béksta (1988)

por Renato Athias

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Em A Maloca Tukano-Dessana e seu Simbolismo, Casimiro Béksta se aprofunda no significado etnográfico e simbólico da maloca — casas comunais tradicionais centrais para as vidas culturais, sociais e espirituais de muitos grupos indígenas na Amazônia.
O trabalho serve como uma exploração histórica e analítica, revisitando fontes etnográficas antigas e traduzindo observações fundamentais em uma estrutura acadêmica moderna. Béksta se baseia significativamente nos escritos de Alfred Russel Wallace e, mais proeminentemente, Theodor Koch-Grünberg, um etnólogo alemão cujo extenso trabalho de campo na Amazônia durante o início do século XX fornece rica documentação de tradições indígenas, cultura material e cosmologia.

Ao traduzir esses relatos seminais para o português e situá-los dentro dos debates contemporâneos sobre o significado da maloca, Béksta faz uma contribuição vital para a acessibilidade desses recursos para estudiosos lusófonos. As descrições detalhadas da maloca de Koch-Grünberg destacam seu papel duplo como uma estrutura física e um símbolo cosmológico. Como Béksta observa, Koch-Grünberg documentou como a maloca funciona como um microcosmo do universo, com seu layout arquitetônico frequentemente refletindo crenças cosmológicas.

Os polos centrais representam o eixo do mundo, enquanto o telhado simboliza o céu. Essas estruturas não são meramente abrigos, mas são imbuídas de camadas de significado, servindo como espaços onde rituais, narrativas e decisões comunitárias se desenrolam, reforçando assim a coesão social e a continuidade cultural. Béksta enriquece sua análise com elementos visuais, incluindo esboços de designs de maloca, para fornecer aos leitores uma visão geral de sua diversidade arquitetônica.

Em última análise, [o livro] serve como um tributo à etnografia pioneira de Koch-Grünberg e um convite para investigar mais a fundo a maloca como um espaço dinâmico de identidade cultural e resistência.

Essas ilustrações, inspiradas pelas meticulosas notas de campo de Koch-Grünberg, oferecem uma sensação tangível da escala das estruturas, métodos de construção e detalhes estéticos. Ao revisitar e contextualizar os insights de Koch-Grünberg, Béksta demonstra como as observações etnográficas do início do século XX permanecem relevantes para a compreensão do significado duradouro da maloca. Seu trabalho ressalta a importância de traduzir e atualizar fontes históricas, garantindo que elas informem as discussões contemporâneas sobre sistemas de conhecimento indígenas e preservação cultural.

Em última análise, A Maloca Tukano-Dessana e seu Simbolismo serve como um tributo à etnografia pioneira de Koch-Grünberg e um convite para investigar mais a fundo a maloca como um espaço dinâmico de identidade cultural e resistência. Por meio dessa síntese de passado e presente, Béksta fornece um recurso atraente para acadêmicos e estudantes de culturas amazônicas, antropologia e estudos indígenas.

Tuesday, April 20, 2021

Um erro tipográfico que persiste, após quase 200 anos: o falso etnônimo packi em Puri

 por Marcelo Sant’Ana Lemos

A Revista do IHGB, volume 5, impressa em 1843, trouxe em um de seus artigos uma cópia do texto extraído do livro tombo da Freguesia de São João Batista de Queluz, escrita pelo vigário Francisco das Chagas Lima, primeiro pároco daquela localidade, quando ela era ainda uma capela rústica do aldeamento dos indígenas Puri de Queluz, criado em 1800.

No texto que tinha o título “Notícia da fundação e princípios d’esta Aldêa de S. João de Queluz” ele procurava caracterizar o modo de vida dos Puri. Nele temos a explicação do significado do etnônimo Puri ou Pucki, que de acordo com os próprios indígenas queria dizer: gente mansa ou tímida.

No momento que o documento original foi transcrito, para ser feita a versão impressa ocorreu um erro, não sabemos se do tipógrafo ou do sócio do IHGB que copiou o texto que lhe foi passado. Assim o termo Pucki se transformou em Packi, conforme se observa na página 73 da referida revista.

Dessa forma desde 1843, diversos historiadores e memorialistas têm repetido esse erro baseado nessa fonte impressa. Autores como Paulo Pereira dos Reis, que tiveram a oportunidade de consultar o livro tombo original, que se encontra na paróquia de Queluz, não caíram nessa armadilha!

No arquivo e Biblioteca do Instituto de Estudos Valeparaibanos, na cidade de Lorena (SP), que tivemos a oportunidade de visitar em 2010, encontramos diversos documentos, cópias fotostáticas dos originais, versando sobre a história da Aldeia de Queluz. Entre eles estavam as imagens do manuscrito original “Notícias da fundação e princípio d’esta Aldêa de S. João de Queluz” registrado no livro tombo da Freguesia de Queluz.

Reproduzimos abaixo a imagem do original para possibilitar a comparação com o texto da Revista do IHGB, que apresenta o erro tipográfico. Assinalamos com uma linha azul a palavra original correta. Claramente se destaca a letra ‘u’, bem diferente da letra ‘a’ que vemos no vocábulo “palavra” logo a seguir.

puckis.png

No texto do IHGB, que reproduzimos adiante, a mesma passagem com o erro assinalado em vermelho:

packis.png

Por conta da dificuldade de acesso à fonte original ou a obras que reproduzem o conteúdo correto, mas se tornaram raras como, por exemplo o texto: “Os Puri de Guapacaré e algumas achegas à história de Queluz”, de Paulo Pereira dos Reis, publicado em 1965; na Separata do número 61 da Revista de História, é que encontramos ainda hoje o mesmo erro reproduzido em textos acadêmicos e de divulgação.

Um dos mais recentes foi o de Eduardo Rivail Ribeiro, que em seu texto “O Catecismo Puri do Padre Francisco das Chagas Lima” para os Cadernos de Etnolingüística, volume 1, número 1, de janeiro de 2009, dá ao equívoco tipográfico o status de praticamente a única contribuição linguística de Chagas Lima para língua Puri; que ele encontrou no documento, além do antropônimo Vuti, conforme se observa na nota 4 do seu texto.

No livro Aldeamentos indígenas do Rio de Janeiro, um excelente texto de divulgação sobre os indígenas do Rio de Janeiro, de José Ribamar Bessa Freire e Márcia Fernanda Malheiros, já em segunda edição, pela Eduerj, do mesmo ano do texto de Ribeiro (2009), também encontramos o termo, porém com a grafia aportuguesada para “paqui” (página 15).

Está mais do que na hora de corrigir esse equívoco!