O geneticista Francisco Salzano (1928-2018) faleceu na semana passada, deixando um grande legado científico construído ao longo de mais de meio século. Mas, além de sua conhecida obra acadêmica, vale lembrar aspectos menos conhecidos de sua atuação como pesquisador. O texto abaixo, moção apresentada ao II Encontros Intelectuais de São Paulo (1961), nos oferece uma visão do cientista além de seu mister, ou seja, em sua luta em defesa da terra indígena como bem maior da comunidade. Trata-se de uma moção para que se apresentasse à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul um ofício manifestando a oposição dos cientistas presentes a um projeto-de-lei que tentava espoliar povos indígenas de suas terras (algo, infelizmente, ainda muito atual):
MOÇÃO N.o 5
"Os participantes dos II Encontros Intelectuais de São Paulo, da UNESCO, ao tomarem conhecimento do projeto do deputado António Bresolin, dessa Assembléia Legislativa, de loteamento de cêrca de 50% das reservas florestais atualmente ocupadas por populações indígenas dos Postos de Guarita, Nonoai e Cacique Doble, vêm por meio dêste manifestar seu repúdio a tal projeto de lei, que, se aprovado, poderá acarretar a dizimação lenta, mas inevitável, de tais populações.
Estão certos todos de que o espírito de civismo e de solidariedade humana dos Srs. deputados prevalecerá e que o referido projeto de lei será rejeitado.
(a) Francisco Mauro Salzano."
Em uma outra moção, Salzano propõe uma colaboração internacional, através da Unesco, com a então União Soviética, para elucidar a questão da origem asiática, siberiana, dos povos indígenas das Américas. Estas passagens revelam tanto o pesquisador em sintonia com a comunidade científica nacional e internacional, quanto o cientista engajado na defesa dos direitos dos povos indígenas de seu Estado natal.
*Renato Nicolai é um dos administradores da Biblioteca Digital Curt Nimuendajú e responsável por nossa Coleção Nicolai.
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